No coração da Amazônia peruana, um fenômeno raro impressiona cientistas e comunidades locais: o rio Shanay-timpishka, cujo nome indígena significa “fervido pelo calor do sol”. Apesar da lenda, não é o sol que aquece suas águas, mas sim processos geológicos que fazem a água subterrânea emergir a temperaturas extremas. O geocientista Andrés Ruzo já registrou medições que chegam a quase 100ºC, tornando o rio capaz de cozinhar animais que caem nele.
“Se você colocar a mão na água, terá queimaduras de segundo ou terceiro grau em questão de segundos”, explicou Ruzo. Segundo ele, os animais não têm chance de sobreviver. Os olhos são os primeiros a serem afetados, ficando com coloração branco-leitosa, enquanto a carne literalmente cozinha nos ossos.
Em 2024, uma equipe de cientistas dos Estados Unidos e do Peru instalou 13 sensores ao longo do Shanay-timpishka para registrar as temperaturas durante um ano. Os dados mostraram que áreas mais frescas tinham média de 24ºC, enquanto as zonas mais quentes atingiam quase 45ºC no ar e mais de 90ºC na água.
Além do perigo imediato, o calor influencia diretamente a floresta ao redor. Pesquisadores observaram que quanto mais quente o trecho, menor a diversidade de plantas. Algumas espécies desaparecem, enquanto outras, mais resistentes ao calor, se tornam predominantes. “Mesmo sendo muito úmido, a vegetação parecia bem mais seca”, relatou Alyssa Kullberg, do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, à BBC.
Segundo o cientista Rodolfo Nóbrega, da Universidade de Bristol, o local funciona como um modelo para compreender os impactos do aquecimento global: “À medida que a temperatura aumenta, mesmo com água disponível, a capacidade de fotossíntese das plantas pode diminuir”. Árvores imponentes como a Ceiba resistem, mas espécies como a Guarea grandifolia sofrem com o calor extremo.
O Shanay-timpishka também possui importância cultural. Considerado sagrado por comunidades amazônicas, é visto como símbolo de ligação entre a floresta e os povos que dela dependem. Para especialistas, protegê-lo vai além do aspecto científico: é uma forma de preservar a Amazônia e garantir equilíbrio climático global. “Se a floresta desaparecer, muito do carbono vai para a atmosfera e isso vai afetar o clima. Não é apenas local, é global”, alertou Chris Boulton, da Universidade de Exeter.